Invisível Dádiva

- Um café com leite, por favor! - Descanso a visão do óculos escuro e retiro o jornal do saco azul

A atendente com pressa, derrama um pouco do líquido quente. Pede desculpa sem me olhar e vai servir um outro cliente.
Nesse período, principalmente da manhã, falsifico bem minhas emoções. O pior período já passou. Levantar, sair do berço, é um medo que o deduzo de um bebê sendo afastado de sua mãe.
Tenho medo todo tempo.
Folheio o jornal. Sinto-me atraído pelas notícias, mesmo que, às vezes os pensamentos percorrem por outros terrenos que desconheço e me induzem na andança.

- Deseja algo mais? - Pergunta-me sem me olhar
- Um pão na chapa - Ríspido dessa vez

Sua má educação me força ser um voluptuoso. Observo sua bunda e a desejo. Sua calça jeans está apertada a ponto de esmagar sua bexiga. Retorno a leitura. Se ela me atender novamente irei prolongar meus pensamentos. É um revide espetacular. Minha moral versus sua idoneidade.
Ela já marca o valor do café e do pão num papelzinho amassado. No mesmo instante, peço um outro café. Observo que ela reclama do horário, deveria estar em casa. Sua cama.

-Ela que pediu, não é culpa minha! - Imagino - Até onde ela quer ir com isso?

Para evitar, levanto e vou até o caixa. Estou satisfeito. A infelicidade já tenta me surpreender e o sol empurra as nuvens querendo me demonstrar que já é tarde. Seu idiota amarelo, sei onde me encontro.

As calçadas vazias. Apenas alguns carros rondando sem sentindo. O mercado aberto. Uma minoria saindo com sacolas para seu almoço de domingo, o momento da reunião e suas desavenças familiares. Neste momento, já desgastado e insólito, precisava novamente de meu berço. Poderia agora, estar nos seios de minha mãe.
Estou indo para casa terminar a leitura e escutar um pouco de música.
Após sair da avenida, ouço um barulho de carro batendo. Volto o olhar e ouço gritos. Corro um pouco para amenizar minha curiosidade. Vejo frutas, verduras, bebidas, sangue...
Deus e sua dádiva de preencher minha vida de sua beleza mórbida.
O sol se enconde entre as nuvens. Sua vergonha é evidente. Chove um pouco molhando meu jornal e a água leva também minha vivência. O período pior já passou antecipei aqui.
Talvez essa senhora, pudesse ter ficado um pouco mais na cama. Sua meia demorasse um pouco mais para esquentar seus pés. A água demorasse um pouco mais para atingir sua fervura. A fruta que ela pegou estivesse um pouco estragada e que ela percebesse já próximo do caixa e retornasse... estou entrando num caminho desconhecido!

Percorro um breve caminho até o portão onde moro. A leitura ficará para mais tarde. Antes de o abrir, tento descarregar minha emoção.
Já é tarde agora percebo. Já é tarde para qualquer coisa.

"Tudo é tudo"

"Resta apenas os pés. Tão sujo e impotente
Resta apenas a semente de um beijo e de um corpo descartável
Os dedos agora são gélidos, e ouvir apenas os sussurros no escuro...
Meu sorriso é sarcástico, mesmo dentro do baú
Resta apenas uma música para um funeral funesto
Resta apenas uma amizade, ela que juntou minhas mãos
Resta apenas um pouco de flores, para que se tenha assim, o início do esquecimento
Ela chora, Brilhante, brilhante, diz
Meu sorriso...
Um pouco de lágrima e uma sugestão sobre a terra que ficará sobre meu peito..."


Uma pitada de canela para uma explosão

Já se passaram três ou quatro dias. Um suco gelado foi de que me alimentei e de alguns pãezinhos com manteiga. Sinto-me bem fisicamente, não lembro de muita coisa. Será um sintoma da falta de sol ou de uma boa alimentação essa impressão? Algumas linhas escritas aqui, é o suficiente?
Preciso-me altear, calçar o chinelo, tomar um banho, pentear os cabelos e principalmente, me recordar qual a data em que estou agora. Há uma certa falta de exatidão em meus pensamentos. "Droga", estou acordado e com a mão esfregando minha nuca. O quarto opaco. Mas, não estou mais lá. Onde me encontro agora? Se for em pensamento, precisamente agora, estou tentando ficar bêbado com algum amigo e minha família me aguarda para o jantar. Minha irmã segura uma linda criança, ao qual nasceu no mesmo dia que eu e... não serei preciso pois, as coisas realistas me torturam. E se for na realidade? "Droga", estou acordado e com a mão esfregando minha nuca. O quarto opaco...
Agora olho o calendário, dia 26 de maio, 2009. Puxa! Ninguém ainda explodiu uma bomba atômica?
Como simples desejos não se realizam tão fácil, procurei levantar e pôr em ordem minha vida, pela acho eu... milionésima vez.
Após minha idéia otimista se esvaecer (durou 5 segundos), pensei: "Ferverei o leite, colocarei duas colheres de café, um pouco de canela em pó, achocolatado..."

... Droga", estou acordado e com a mão esfregando minha nuca. O quarto opaco...

Adeus?

"Me prove seu amor de alguma forma
Não deixe que lhe penetre sem antes dizer: TE AMO!
Sim. Pode dizer no final do orgasmo
Na verdade, fique em silêncio
Me prove apenas, sem bater na porta antes de sair
Com seu silêncio...com seu maldito olhar...com seu suor
Corra após a tentativa de esmagar sua cabeça com meu desespero
Me desculpe...sempre peço desculpas
E não me desculpe, como sempre faz"

Eu? Você?

A CRIANÇA QUE SOU

Como minhas idéias em frente ao computador não vinham. Parei e pensei: " Irei escrever sobre a primeira imagem que sobressaltar...". O raciocínio não foi finalizado e me transpôs em imagens de mutilações de animais, humanos, assassinatos, coisas explodindo, casas desmoronando...
"Algo está errado comigo", pensei.
Mesmo depois desssas imagens me pertubarem, pensei se valeria à pena omitir no precioso esconderijo de meus pensamentos que é o Escadas Horizontais, os meus "puros" desejos.
Estou sendo justo ao não confirmar a verdade imprevisível que jaz em minha alma e que implora por nascer em momentos de águas calmas? Oras. Ainda procurei as fotos, e as mutilações são tão... tão desumanas que deixei o suco de lado e fechei meus olhos para conter a náusea.
Resolvi não expor. Expor as fotos sobre essas torturas. Mas, a idéia de colocar uma imagem não me saiu tão fácil. E refleti: "Como realmente me sinto a todo momento? Do que mais, sinto inveja por saber que este passado, poderia ter um maior espaço em minhas memórias? E que futuro? Para mim é o suficiente, apenas o amanhã. O desprezo, a ponto de odiar as horas, toda passagem de tempo.
O que desejo ser, o que sou agora?"
Não é uma lamentação. Mas percebi, que não tenho anseios.
Eis a imagem:




Este pequeno texto vai dedicado, ao ser todo escrito com pensamentos da falta que faz, minha família.

Traum Bendict
"Teimando com certa esperança até queimar minha alma.
Suavizava minha dor, apenas com suspiros prolongados.
A luz ao fundo pálida, e ao canto, pendurado em minha porta, meu jaleco.
Minha cabeça parecia-me respirar, os ossos flexionavam e os ouvidos zumbiam.
O frio me pressionava para baixo, meu corpo procura se acomodar com movimentos autónomos.
A esperança se extinguia e o calor caminhava no mesmo beco.
Com o jaleco agora em meus ombros e a luz já dissipada.
Caminhava na madrugada, na escuridão brilhante das estrelas e da névoa.
Meus pés molhados pela relva, procurava o pôr.
Na ponta do abismo, do meu abismo...expeli minha alma"

Traum Bendict

Cozinha e torradas

Me digam algo vocês duas. Dormir? Não vá. Frio? Acho que estou indisposto e meus olhos, acho que estão avermelhados.
Mais um café talvez ou uma dose de um sonho que já tive e me faça adormecer por algumas semanas. Mais um café para sentir minhas pernas que agora estão geladas. Mais um café para que alguém como você, você mesmo que olha o que escrevo. Mais um café para tirar a loucura ou insanidade que sempre me persegue e que se insinua. Mais um café e talvez você não me negue um beijo. Mas, para isso não precisa-se de um café. Do que se precisa? Algum sentimento?
Lisonja. Respiro.
Lembrarei de como você acorda. Não apenas. Lisonja. Respiro pela última vez.
Boa noite T`s. Um prazer. Uma noite. Obrigado.

Gregor, Gregor, Gregor Samsa




Não acolho com bom grado no Escadas horizontais, a deixa sobre alguma obra ou algum comentário sobre tal. Se já fiz, não me recordo (não agora, rs).
Resolvi então, compartilhar com vocês uma obra conhecida mas, não ilustrada anteriormente.
Com Peter Kuper, conhecemos o mundo Kafkaniano mais intimamente e assustadoramente.

Três da manhã


Minha peregrinação havia iniciado. Tinha idéia de quanto tempo haveria de me rastejar e tentar suavizar com lembranças, o tal sol avermelhado, que o odiava. Talvez entendesse aliás, que não havia motivos. Tudo talvez, fosse até, um delírio, imagens oníricas, e semelhança com algum personagem que havia lido ou assistido. Lembro-me que deixei alguém para trás, e que um vermelho com odor que reconhecia, grudava em minha mão. A pedra. Que tipo de lápide seria?
Estava escrito algo? Testemunhei algo mal ou sou ele próprio, caminhando pelo deserto, e como castigo rastejo-me com essas feridas que ardem e me calam?
O gosto em minha boca era de bosta. A única coisa que encontrei foram meros estercos ao qual me deliciei como uma torta. Era o mínimo que queria e me fartei.
O rosto já se encontra em carne viva e cobras me perseguem talvez, alimentadas de força de vontade do sangue que ecoa seu odor, com apenas um destino, que é me entregar. A pedra. Que tipo de lápide seria?
Sou um foragido espiritual, mesquinho, perdido em um retângulo que diminue e diminue...que pedra?
A lápide, há vejo sempre, lhe beijo e coloco flores, e a odeio como o sol, como o vermelho grudado em minhas mãos, como as cobras que agora se enrolam em meus pés e me envenenam, mas que, a dor bem maior é ausente e se encontra viva em algum subsolo ou céu ou em meu quarto que me prende. Ainda uso em meu dedo médio um rosário, onde estimulo minha perdição asquerosa e banal.
Quem deixei atrás? Um som que desvia de mim e pressiona em minha mão, a fantasmagórica minha imagem que se forma no sangue. A lápide onde resido tem minhas iniciais. A pedra?
Não sei a resposta. Na minha cabeça apenas vem a idéia de tentar apedrejar minha alma. E acho que, eram três horas da manhã. Me recordo de Gregor Samsa e adormeço.

As mesmas imagens e as imagens que refletem na parede

A imagem se contorcia. Era o reflexo da água no teto branco, um pouco amarelada de sujeira e com quinas abstratas, não conseguia imaginar nenhuma forma. Pensava com um cigarro, com um café amargo, com as pernas trançadas e ouvindo o barulho do esguicho d'agua... sobre um jovem que, tendo o rosto todo transfigurado, observavasse no espelho. O rosto me veio como o homem elefante do Lynch. Mas precisava encontrar um outro rosto, o meu próprio, um outro qualquer, deformado ou não, que tivesse algo meu. Estou debilitado, imaginei. Esquecendo o rosto e refletindo agora sobre o meu maldito formato facial, quase demoníaco, que num todo é sádico...esqueçam!
Meu personagem passageiro me veio sem extrapolos. Acho que o café foi a causa, ou alguém que vi passar. Da última não cogito pois, não olho mais para cima ou horizontalmente, não ouso. O chão onde caminho, o Judas peregrino que não me sai de minhas costas, me pesa. Observo apenas o chão, e um dia escreverei um conto sobre todas as pedrinhas que encontrei e que as chutei e as quais tive vontade de engolir ou chupá-las. Será um conto romântico, creiam. Ahhh...Uma mulher que inseri pedras na vagina, e dar de presente para seus pretendentes. Melhor este. Qual jovem irá ler um conto aqui escrito, se não faço uma sinopse com um tom sexual? Leiam malditos, mas não será a pedra desta donzela que receberão.
Percebo agora. O personagem horrível que se olha no espelho, não olha para seu rosto. O que vê, são determinados pontos ou ponto, ao qual ele percebe sua beleza. O seu olhar é, imaginando algo ou alguém que o possa enxergar. O personagem, até mesmo eu, tenho asco. Tenho por ser um imaturo, por não conhecer o interno humano, por não me interessar, por não enxergar razão nem poesia em tal observação...numa verdade maior e trémula, por meus personagens serem eu. Até mesmo a garota, sou eu.
Por meu rosto, ainda não ter sido descoberto, o personagem viverá eternamente observando o espelho.
Retorno de um descanso afável. Descanso que fervilhou, que amadureceu minha paciência e minha solicitude que desencadeou em exatos momentos. Se tive algum pensamento sobre ontem, não o percebo. E sobre o amanhã, que venha com o amanhecer, nada mais.
Estou cheio das tolices, alguns velhos que me irritam e jovens de bocas largas até a cintura. Me sacrifiquei. E essas feridas que ardem por alguns segundos, as lambo. Na infância também as lambia e ainda comia as cascas que me davam um certo prazer canibalesco.
Sobre o amor e amizade e família e todas as coisas mais medonhas humanamente falando...me abstenho. Bem...vi alguém desenhar um coração com uma flecha no esterco. Primeiro Amor. É isso. Todo o segredo bestial, dessa vida cada vez mais bestial. Eu tenho pequenas esperanças, são meus segredos. Digo-lhes até, que posso me apaixonar a qualquer momento, desde que, seus lábios sejam de pêssego e sua voz uma flauta hipnotizadora. Sim. Iguais as cobras mais venenosas que se rendem submissas... mas que maldito veneno!
Irei descansar talvez, mais um pouco.

O Moço Encantado


Um belo moço. Ele ergue a cabeça com uma fisionomia que me é conhecida. Mas, distante como sempre ando, evitei qualquer pensamento em tal questão. Aliás, não me importava!

- Acho que me machuquei - se limpa - talvez tenha quebrado o pescoço.
- Aceita uma bebida? - tiro minha garrafinha com uma boa vodca - beba antes que sua cabeça caia.
- Não ouviria um conselho melhor!
- Eu lhe conheço pois, sonhei com você noite passada. Segunda. Era o quarto dia de sua morte. Fui eu mesmo na igreja e lhe dei seu nome. Acho que não precisamos nos importar mais. Eu estou aqui por você ou você por mim? - Ele sorri com a pergunta.
- A bebida está boa - me devolve - não sei, mas, essa brancura me irrita.
- Dizem que este lugar é agradável. Mas, não acredito. - Digo-lhe que não. Mentira.
- Cacete. Era o que me faltava. - Ele desabafa.

Em volta se vai, se vai...se dissipam a brancura e chuvisca. Não limpo o rosto. Agora só!
Me pergunto se aquele moço era meu amigo. Não me importo. E talvez tenha sido ele, que colocou meu nome no altar e rezaram um pai nosso para mim e após, me esqueceram em lembranças que sempre foram finitas. Não me importo. Apenas queria beber com alguém. E foi bom encontrar alguém no meio de tantas coisas, terrivelmente belas!

Li recentemente, uma passagem rápida, um trecho que não dei nenhuma importância. Acho que era de Guimarães Rosa, em que dizia: "Não morremos, apenas ficamos encantados".
Durma bem, pequenino príncipe!

De Traum Bendict, para Wilton. Uma lembrança para sempre infinita.