Círculo de desejos vazios

Haviam sonhos enfileirados, alguns evaporavam com o tempo, outros por pensamentos, outros guardados em caixas transparentes flutuando por cabeças desconhecidas até se adequarem aos seus desejos, às vezes íntimos, quando assim, escureciam e esperavam nas cabeças também enfileiradas.

As caixas das crianças tinham as cores fortes, e de tantos sonhos ali existentes, havia a todo momento, desejos indo e voltando sem revoltas, conciliados me parece. Eram as caixas de sorrisos, distantes das quê, mesmo que literalmente fossem sonhos, não se chamavam assim, e sim, as caixas sonâmbulas. Poderia empregar outro nome, mas concerteza, era isso, e se fosse outra coisa, deveria ser uma outra caixa, noutro lugar e não aqui, e eu, não saberia.

Quando fui obrigado a conhecer meus sonhos, tive que cometer assassinatos, decepar meus amigos, e fugir para uma terra vazia, apenas conhecida por mim. Quando tudo meu deixou de ser criança, me separei de mim mesmo, em excepção do meu coração. Quando o dei para outra pessoa, nada mais fez sentido, e queria a todo instante, nunca desde sempre ter tido sonhos. A terra vazia e de superfície plana, agora enchera de crateras que gemem...sem ventos!

Todas as caixas sem desvio de regra, tinham um símbolo. O símbolo trazia consigo, não só a idéia de um sonho, mas também, o desejo que ninguém deseja. Saltei algumas das caixas em que seu brilho reluziu num instante, e me desfiz em lágrimas...sem lágrimas!

Já não possuia vagalumes em minha caixa, restava apenas o símbolo, e a terra que não era mais plana. Quando descobri onde estava, e me revi, e me arrependi...o vapor de meu único sonho escapou, e assim, sem parênteses, acreditei que meu sonho, fosse tão diferente dos outros.


Fotos - Série bichos





*Fotos tiradas no sítio Jaqueiras por, Traum Bendict - União dos Palmares - AL (20/09/09)

Fotos - Série Pessoas




*Fotos tiradas no sítio Jaqueiras por, Traum Bendict - União dos Palmares - AL (20/09/09)

Vermelho Silêncio

Me falaram por muito tempo sobre as cores. Decorei-as, e em cada dedo, escrevia os seus nomes e as representações dessas, em sentimentos. Vermelho, azul, roxo, amarelo, verde... Adoro a cor de minha mão direita, as da esquerda sempre as esquecia, não de propósito, era uma automatização.
Via as cores com belíssimos tons de cinza, diferentes luzes, sombras. E no princípio, quando não sabia, o mundo acinzentado me servia para sondar os lacres de meu espírito.
Diziam que os espíritos são brancos. Mostrava minha mão, e indicavam a cor escrita. O meu polegar esquerdo, era a cor dos anjos celestiais. Então, sempre quando estava com medo em minha infância e ainda hoje, aponto meu polegar.
Já jovem e com anseios de minha natureza inquietante e silenciosa, me falaram sobre o amor. Era alguém de quem eu gostava, sentia a sua cor, mesmo enxergando apenas os cinzas. Era um cinza diferente de todos que já havia visto. Foi a única vez que aqueles tons jorraram em círculos místicos, e pulsantes. Explicou-me que era um vermelho que ela sentia. Lhe estendi a mão direita, e em minha palma, apenas escrito: "Vermelho".
Ela sorriu, e sussurrou:

"Arranque sua mão direita"






Orações mudas - Capítulo II

... O fenestral, meu reflexo...qual?
Após me observar num longo espelho que nunca notara ali, desconheci que aquilo fosse eu. Como uma benção erguida da penumbra, pudesse estender o milagre da salvação para meu corpo, para meu ser? O reflexo era real, até que ponto?
A farsa seguida de um desejo inconstante, da mudança, de um agora não, do desejo saciável de um lábio que não transmita mentiras, de um corpo que não transmita através de seus poros apenas álcool, de uma mão que não seja invisível ao tocar-me, e de um corpo que não trocasse de cabeça sempre que sai de casa.
Como fui belo através do reflexo! Como desejei a beleza, através de meu pensamento! Quantas cordas penduradas agora refletem, e balanceiam em tons musicais menores!
Oh! querido Jó. Tu sabes a dor das feridas, tu sabes mais que eu, mais que todos. Tu sabes pois, teu espírito foi criado apenas para fazer parte de um jogo banal, para dar exemplos aos doentes...como eu.
Outra vez a luz, outra vez a poeira que se ergue, e olho para o meu corpo "real" deteriorado, o de sempre. Percebo que o reflexo é a mentira, e murcho, e deito na cama úmida de urina e fezes. Tentei escapar através da fresta. Acreditei que fosse Ele por instantes, num aviso sutil de poeiras que escapavam, simples poeiras que escapavam de um ar pesado. Era tarde para mim, a dor aguda retorna, e a desejo pois, também entendia sobre minha mentira.
O que vi, o que desejei, o que senti, o que toquei...havia morrido na companhia de uma mosca.
E expirei, bem fundo!





Orações mudas

Eram abcessos por toda parte do meu corpo. Sentia, creio apenas, as moscas. Zuns, zins,zuns...
O gosto em minha boca era azedo, e imaginava qual a cor desse sabor, um verde, às vezes amarelo com misturas de um vermelho sangue. Cuspi uma vez, e a saliva ao cair nos olhos causou uma conjuntivite, que piorava quando tentava tocar os olhos com minha mão cheia de pústulas.
Recebia visitas diárias de padres, freiras, protestantes... eles não sabiam, mas também via neles a minha doença. Não entendia, como conseguiam andar. Eles sentavam, abriam suas bíblias, perguntava qual o trecho ou o apóstolo que eu queria ouvir, e após, fixavam um olhar de reprovação para mim.

"Perguntou ainda o senhor a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal." Jó 1:8
.

Liam, faziam o sinal da cruz, e às pressas, cochichavam seus segredinhos. Os desdenhava em silêncio, e Jó era a resposta às suas perguntas, saindo em quase colapsos de suas bocas, as quais mantinham um aspecto tão horripilante quanto o meu.
Na noite, aprisionado pelo meu estado, com tosses que faziam doer todos os meus orgãos, sentia-se satisfeito por estar só. As moscas desapareciam, descansavam após um dia de sucções envenenadas que saiam de mim, e tinha certeza quê, de uma hora para outra, na manhã, não mais voltariam.
Passei três anos em tal situação, cito "tal" como se fosse uma causa desnatural, mas era senil. E minha juventude perdida, era ridicularizada em tónicas de assombrosos malfazejos. Vinte e seis anos e uma pueril existência. Cof,cof,cof... A cama úmida de urina.
Nunca um adeus, nunca um jamais. As moscas já retornaram. Hoje será um Novo Mundo?
Através do fenestral uma luz... meu reflexo no espelho...