Dispensar sem vontades

Algo em mim desintegra-se paulatinamente, em breves e breves repousos.
Tenho acordado tarde, e me levanto apenas por causa do calor exaustivo. O acordar tarde, não seria uma preguiça. E sim pois, por não conseguir dormir à noite. O meu corpo sempre na ânsia de deixar seu trabalho natural com ainda células tão jovens, precisa de minha vigília, para quê, no raiar do sol o meu psicológico perturbado se convença de que morrer nesta noite, agora não!
Mas sinto que, sempre que acordo, um pedaço de mim se descola, sem reparos.
Levanto-me, tomo um banho, escovo os dentes, lambuzo o rosto com algum creme, almoço, e sinto uma grande vontade de me deitar e de deixar mais um pedaço de mim.

"Sou uma casa que dispensa sem vontades, apenas pelo vento, suas telhas tão velhas!"


Sempre repito simples frases sobre mim. E me absolvo.

Me troco para sair, para me interessar por algum lugar, por alguma coisa. Nem a arquitetura me surpreende, nem os rostos me surpreende, então... fico banzado, e novamente, para onde ir, se não há, se não sou o vento, sou a casa, destelhada.

Nesta noite tão cedo, tentarei dormir profundamente. Se os meus pulmões demonstrarem cansaço, não me absterei. Fecharei apenas os olhos, e imaginarei uma casa sem nenhuma rachadura.

Eu era tão jovem

Eu era tão jovem.

Simplesmente após uma combustão de ânsias, tornei-me jovem.
Compreendo a amplitude, as resoluções, a música surda e sem efeito, os anelos.
Alguém me disse algo, em algum lugar, me disse algo, em algum lugar, quando eu era você transmudado.

Estou ficando bêbado semanalmente. Ponho sempre para fora e me sinto melhor. Com este pequeno esforço e o sabor amargo, esgoelar para fechar os olhos é um detalhe tão significante. Mas, tudo isso, quando eu era tão jovem.

Eu poderia encontrar um motivo para rir. Percorri o meu passado procurando a insignificância de um hábito.
A procura na terra vasta, já o detalhei. E algo simples, quando se torna tão sério para mim, é uma mutação que lhe expilo sem preceito. Com a idade me tornei imbecil, e quando jovem, estulto.

Eu era tão jovem.
Simplesmente após uma combustão de ânsias...me deixo ser submetido aos seus prazeres!

E agora, quem sou eu? Tenho a certeza de apenas uma companhia.
Oh! Admirável. Oh! Sublime sombra!





Entre nós, um espelho


Estava ao seu lado
Entre nós, um espelho
Entre nós, ébrios

Tentava tocá-la
Entre nós, um espelho
Entre nós, dúvidas

Por muito, ausência
Entre nós, nenhum reflexo
Entre nós, agora nós



Listras de um olhar sem afago

Caminhava por minha cidade, por ruas estreitas e escuras. O que ouvi numa caminhada e vi, poderia me despertar para uma sobriedade desumana, e necessária para expectorar qualquer anseio. Procurei, procurei algo, olhando para o céu com grandes estrelas já mortas rasgando o negrume, e deixando listras de sua existência. E quanto choro será necessário para que Deus nos ouça? E Ele diz: E quanto choro será necessário para que Eu, exista?
É plangente.

Com as janelas abertas e em grandes portas, as pessoas comiam, se beijavam, riam, liam...enquanto uma garota era esfaquiada tantas e tantas vezes. Peguei o meu lenço e enxuguei o rosto, acreditando que meu gesto limpasse a vergonha e o meu desespero. Dei as costas e entrei numa casa da verdade. Sentados, os homens que não mentiam, falavam sem compreensão. Esperavam a comida que nunca chegava, gesticulavam suas verdades. Outras pessoas no quarto dos mudos, murmuravam batendo na parede, onde lá, escreviam e rabiscavam seus retratos. Corri, segurando minha gravata para não ser puxado. Saltei o corpo da garota, e antes de seguir, lhe pedi desculpas, por ser o que sou. Ela olhava para as estrelas que caíam...mortas!

Estava extenuado. Queria deitar, tirar os sapatos. Antes, esquentei o café amargo como minha noite. Cochilei alí mesmo. Acordei em mais uma noite, em que todas as estrelas já haviam caído, e a mulher no seu doloroso destino, ainda gemia. Apenas passei.


Tragédia. Momento. Sozinho.

Alguns desencontros, cambaleiam as imagens, assim como meu ócio. Minha bílis ardida, e agora um sono. Encosto a mão no rosto. Lembro-me de tentar lembrar do que havia passado, há pouco, no desencontro, nos... sou um arrimo, leve, encrostado, uma bucha cheia de carbúnculo, e um homem jogado numa janela cambaleante. "Tragédia", era a palavra que havia pensado antes de esquecer. Gosto da palavra.

Ela rodopiava com sua saia num escuro vexame. Sua cor após muito conhecida, como não? Parabéns por nós, lhe digo. Séria como todas as mulheres, um mês, duas semanas.
Eu me rendo por um desejo, e algemado voluntariamente, deixo-me ser carregado por ela em suas costas. Ela diz que irá correr. Lhe digo que é uma boa idéia, pois o vento que agora parado, pode passar pelo meu rosto. Lhe prometo soprar o rosto, para lhe acalentar ao deitar, e esvair o suar.

Todos os lapsos de pequenas tragédias, das ações escolhidas com a pretensão dos melhores desfechos. Contos de primorosas vidas que se afogaram com platéias ofegantes, com mortos suaves no planar de um horizonte marítimo, de escadas que não levam ao alto.

Três momentos... sozinho, com alguém, sozinho.