Orações mudas

Eram abcessos por toda parte do meu corpo. Sentia, creio apenas, as moscas. Zuns, zins,zuns...
O gosto em minha boca era azedo, e imaginava qual a cor desse sabor, um verde, às vezes amarelo com misturas de um vermelho sangue. Cuspi uma vez, e a saliva ao cair nos olhos causou uma conjuntivite, que piorava quando tentava tocar os olhos com minha mão cheia de pústulas.
Recebia visitas diárias de padres, freiras, protestantes... eles não sabiam, mas também via neles a minha doença. Não entendia, como conseguiam andar. Eles sentavam, abriam suas bíblias, perguntava qual o trecho ou o apóstolo que eu queria ouvir, e após, fixavam um olhar de reprovação para mim.

"Perguntou ainda o senhor a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal." Jó 1:8
.

Liam, faziam o sinal da cruz, e às pressas, cochichavam seus segredinhos. Os desdenhava em silêncio, e Jó era a resposta às suas perguntas, saindo em quase colapsos de suas bocas, as quais mantinham um aspecto tão horripilante quanto o meu.
Na noite, aprisionado pelo meu estado, com tosses que faziam doer todos os meus orgãos, sentia-se satisfeito por estar só. As moscas desapareciam, descansavam após um dia de sucções envenenadas que saiam de mim, e tinha certeza quê, de uma hora para outra, na manhã, não mais voltariam.
Passei três anos em tal situação, cito "tal" como se fosse uma causa desnatural, mas era senil. E minha juventude perdida, era ridicularizada em tónicas de assombrosos malfazejos. Vinte e seis anos e uma pueril existência. Cof,cof,cof... A cama úmida de urina.
Nunca um adeus, nunca um jamais. As moscas já retornaram. Hoje será um Novo Mundo?
Através do fenestral uma luz... meu reflexo no espelho...


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