Alguma coisa que não se possa ler

Ela adorava toques, suas mãos passando pelo seu corpo, quando tocava seus seios e arrepiava-se quando acariciava seu rosto. Dormia apenas passando a mão levemente em sua barriga, e o barulho do ventilador ao longe, trazendo um pouco de vento, lhe fazia sorrir de prazer próximo do sono.
Era uma leitora assídua de Samuel Beckett, e após ler Primeiro Amor, lhe atiçou ao coração batidas cruéis. Sentia-se completa. Sua recatada maneira era decomposta apenas em seu quarto, lendo.
Poderia detalhar com características de uma flor sua beleza, mas lhe atribuir apenas, à sua arte de ler, já me é o suficiente. E além, seus quadros de infância que eram mais admiráveis do que os de sua juventude e que seriam melhores do que os da sua velhice.
Em seu caderno, o que poderia ser um diário, ela sublinhava: "Alguma coisa que não se possa ler". E começou seus escritos assim:

"Vou escrever sobre o que chamam de amor. Vou costurar com esferográfica e enodoar o amor de vermelho. Vou sem intenção alguma, pois agora ir, já está quebrado"
Alguém em 03/06/....

Foram os anos, mesmo quando já estavam quebrados. Alguém escrevia sobre o amor ainda, e sempre sublinhava seus títulos. Costurou o amor não só de vermelho, tentou várias cores e até as misturou não gostando do resultado. Lia uma vez por ano seu livro preferido e sentia as batidas cruéis. Foi tocada algumas vezes por outras pessoas, odiou por conhecer o amor.
Um dia parou em algum lugar. Sentou e após, suas costas tocam ao chão.
E assim, em seu último dia escreveu:

"Aqueles com o coração humilhado, certas palavras. Aqueles com o coração frágil, como o meu, certos sentimentos..."





3 comentários:

diana sarmento disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wenndell Amaral disse...

Achei maravilhoso, camarada. É soturno, triste, vezes esperançoso. Memórias de alguém desiludido. Só que tem algo bem natural também, natural e sensato.

Anônimo disse...

MUITO BONITO...PARTICULARMENTE UM DOS MELHORES TEXTOS QUE JÁ LI.ADOREI MESMO.