Um Cão Andaluz


Em 1947, o Museum of Art de São Francisco realizou um simpósio sobre o filme de avant-garde, juntamente com exibições. Para essa mostra, Luís Buñuel escreveu as notas abaixo sobre a realização de Um cão andaluz, onde refere-se a si mesmo na terceira pessoa

Luís Buñuel

Historicamente, este filme representa uma violenta reação contra o que se chamou, na época, cinéma d'avant-garde, gênero que era dirigido exclusivamente no sentido da sensibilidade artística e do raciocínio do espectador, com seu jogo de luz e sombra, seus efeitos fotográficos, sua preocupação com a montagem rítmica e a pesquisa técnica e, às vezes, no sentido de exibir um estado de espírito perfeitamente convencional e barato. A êsse grupo de cinéma d'avant-garde pertenceram Ruttmann, Cavalcanti, Man Ray, Dziga Vertov, René Clair, Dulac, Ivens etc.
Em Um cão andaluz, o cineasta tomou posição pela primeira vez num plano puramente POÉTICO-MORAL (o termo MORAL deve ser tomado no sentido do que governa os sonhos ou as compulsões parassimpáticas). Na elaboração da trama, todas as idéias de preocupação racional, estética ou outras com assuntos técnicos foram rejeitadas como irrelevantes. O resultado é um filme deliberadamente antiplástico e antiartístico, quando medido pelos cânones tradicionais. A trama é o resultado de um automatismo psíquico CONSCIENTE e, dentro desse padrão, não procura narrar um sonho, embora se aproveite de um mecanismo análogo ao dos sonhos. As fontes em que o filme vai buscar inspiração são as da poesia, livres do lastro de razão e tradição. Seu objetivo é provocar no espectador reações instintivas de atração e repulsa. ( A experiência demonstrou que este objetivo foi plenamente alcançado).
Um cão andaluz jamais teria sido criado se não tivesse existido o movimento conhecido como surrealista, pois sua ideologia, sua motivação psíquica e o uso sistemático da imagem poética como arma para derrubar conhecimentos existentes correspondem às características de toda obra autenticamente surrealista. O filme não tem a intenção de atrair ou agradar ao espectador; ao contrário, ataca-o até onde ele pertence a uma sociedade com a qual o surrealismo está em guerra.
O título do filme não é arbitrário, nem resultou de uma piada. Possui estreita relação subconsciente com o tema . Foi escolhido entre centenas de outros por ser o mais adequado. Como curiosidade, vale mencionar que o título chegou a produzir obsessão entre os espectadores - algo que não teria ocorrido se sua escolha tivesse sido arbitrária.
O produtor-diretor do filme, Buñuel, escreveu o roteiro em colaboração com o pintor Dali. Ambos partiram do ponto de vista de uma imagem onírica, que , por sua vez, buscava outras através do mesmo processo, até que o todo tomava forma de continuidade. É bom notar que, quando uma imagem ou uma idéia surgia, os colaboradores a abandonavam imediatamente se nascida de uma lembrança ou de sua bagagem cultural ou se, simplesmente, tinha associação consciente com qualquer idéia anterior. Aceitavam como válidas apenas aquelas representações que, embora os comovessem profundamente, não tinham explicação possível. Naturalmente, rejeitavam as limitações da moralidade e razão costumeiras. A motivação das imagens era, ou procurava ser, puramente irracional! São tão misteriosas e inexplicáveis para os dois colaboradores como para o espectador. NADA, no filme, SIMBOLIZA COISA ALGUMA. O único método de investigação dos símbolos seria, talvez, a psicanálise.

2 comentários:

Wenndell Amaral disse...

... passe lá no meu blog, devo a você por conhecer David Bowie! Se não fosse... daqui a uns 15 anos eu conheceria algo dele.
=]

Lords disse...

é... tudo isso sim!
e algo não...
não sou boa com comentários acadêmicos, mas sim sentimentais!